sexta-feira, 20 de março de 2009

A canonicidade das Sagradas Escrituras

Toda a lista de livros que se encontram na Bíblia pode ser considerada palavra de Deus? Outro livro mais recente pode ser acrescentado nesta lista das Sagradas Escrituras? Será que existe, nesta lista de livros sagrados, algum que não deveria fazer parte dela? Ou ainda: existe algum que deveria fazer parte dela e não foi incluído? O que dizer acerca dos livros incluídos na lista de livros sagrados do Antigo Testamento pela Igreja Católica Romana: eles podem ser considerados como Escrituras Sagradas?
Estas perguntas nos fazem pensar acerca de uma matéria importante no estudo da Doutrina da Palavra de Deus: a questão do cânon das Escrituras.
Inicialmente é importante definir etimologicamente o sentido da palavra cânon. A palavra cânon é uma palavra de origem semita que significa junco, daí decorre o sentido figurado de cana, vara para medir ou régua.
Deste sentido figurado deriva-se o sentido geral da palavra: norma, padrão ou lista, rol. Aplicando-se este sentido geral às Sagradas Escrituras, cânon é o rol de livros que pertencem a Bíblia, e de forma geral reconhecidos pela igreja cristã como única regra de fé e prática.
A relevância, deste estudo, se dá à medida que precisamos nortear nossa conduta cristã diária a partir deste manual sagrado de fé e prática, em outras palavras: aceitar ou rejeitar qualquer escritura como norma espiritual influencia diretamente em obedecermos plenamente ou não o próprio Criador.
O cânon do Antigo Testamento
O desenvolvimento da coleção canônica inicia-se com o registro das palavras divinas rompendo na história da humanidade e, aumenta e vincula-se com a história de Israel. Posteriormente, ao estudarmos o cânon do Novo Testamento, perceberemos que o seu desenvolvimento amplia-se à medida que o plano de redenção é consumado na pessoa de Jesus e na continuidade de sua obra com a igreja primitiva. Especificamente, o cânon do Antigo Testamento cresce até os textos dos seus últimos profetas – Ageu, Zacarias e Malaquias (520-435 a.C.) em paralelo com a produção de seus últimos livros históricos – Esdras (após 458 a.C), Neemias (entre 445-433 a.C.) e Ester (após 465 a.C.). Podemos concluir que até aproximadamente 435 a.C. o cânon do Antigo Testamento é encerrado.
A esta altura devemos perguntar: a produção textual do povo de Israel, após este período, não poderia ser considerada merecedora de ser incluída no cânon do Antigo Testamento como palavra de Deus? Ou de outra forma: livros como Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruc, I e II Macabeus (apócrifos ou deuterocanônicos) não poderiam ser considerados partes do Antigo Testamento? Para responder estas questões é necessário pensar do ponto de vista histórico e doutrinário.
Argumentos históricos acerca da não canonicidade dos textos intertestamentários
Flávio Josefo, o maior historiador judeu do primeiro século cristão afirmou: “Desde Artaxerxes até os nossos dias foi escrita uma história completa, mas não foi julgada digna de crédito igual ao dos registros mais antigos, devido à falta de sucessão exata dos profetas” (Contra Ápião). O queria Josefo dizer com isso? Que ele e a comunidade de Israel conheciam estes escritos, porém não eram dignos de pertencer a coleção de livros sagrados porque lhes faltava autoridade de sucessão profética. Assim, para o historiador nenhuma palavra de Deus foi acrescentada as Escrituras após 435 a.C.
Os textos dos rabinos do período registravam que o Espírito Santo havia se afastado de Israel em sua função de inspirador da obra profética: “Após a morte dos últimos profetas, (...) o Espírito Santo afastou-se de Israel” (Talmude Babilônico).
Jesus e nenhum outro escritor neotestamentário fazem referencia a qualquer livro apócrifo e confirma em suas citações os outros livros canônicos.
Jerônimo em sua tradução da Vulgata Latina inclui os livros apócrifos, mas ele mesmo afirma que eles não eram “livros do cânon”, porém apenas “livros da igreja”.
Argumentos doutrinários acerca da não canonicidade dos textos intertestamentários
A Igreja Católica em resposta a Reforma Protestante, no Concílio de Trento (1546) oficializa os livros apócrifos, pois os mesmos apóiam as seguintes doutrinas: a) a oração pelos mortos e a b) justificação pela fé com obras. Por outro lado, a Igreja ao tomar esta posição defende sua autoridade para autenticar o que é ou não é Palavra de Deus.
As duas posições doutrinárias católicas são contestadas pelas próprias Escrituras: a) Oração aos mortos – a Bíblia não ensina esta prática a não ser no livro apócrifo de 2 Macabeus 12:43-45 e a doutrina entra em choque com o ensinamento geral bíblico que, se alguém abandonar seus pecados; crer em Jesus como seu Senhor, Salvador e Filho de Deus; nele confiar e viver uma vida santa será salvo não havendo necessidade de nenhuma intercessão pós-morte e b) justificação pelas obras e não pela exclusividade da fé – doutrina em oposição ao claro ensino de Efésios 2:8-9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.
O cânon do Novo Testamento
As Sagradas Escrituras é o registro histórico das ações redentoras da parte de Deus em relação aos homens. Lemos no Antigo Testamento o relacionamento com Deus com a criação, com os homens e com seus eleitos e o estabelecimento da promessa de que um dia viria o Messias; no Novo Testamento constataremos o registro desta promessa cumprida: o Messias encarnado – Jesus Cristo.
Desta maneira, observamos que o Novo Testamento compõe-se por textos dos apóstolos, que, por sua vez, receberam a revelação do Espírito Santo para que seus registros fossem divinamente inspirados; contribuindo assim para a iluminação espiritual dos homens. E qual é esta mensagem iluminadora: o Messias fez-se carne e habita entre nós.
O próprio Senhor Jesus promete esta capacitação espiritual para seus discípulos (Jo 14:26 e Jo 16:13-14). Sobre os apóstolos recaiu a incumbência de registrar a comunicação divina acerca da grande verdade espiritual por Ele proclamada, na vida e obra redentora de seu Filho[1]. Porém, se aceitarmos a posição tradicional que os registros apostólicos são Palavra de Deus, o que dizer de Marcos, Lucas, Atos, Hebreus e Judas que não foram escritos por nenhum apóstolo, mas foram aceitos como canônicos pela igreja primitiva?
Vamos entender o processo: a) Marcos, Lucas e Atos foram reconhecidos pela proximidade destes discípulos com Pedro e Paulo; b) Judas com a proximidade de Tiago e pelo fato de ser irmão de Jesus; c) Hebreus foi reconhecido canônico pela igreja primitiva, sob a direção dos apóstolos, pois cada uma de suas palavras enaltecesse a gloria soberana de Cristo.
Conclui-se então que um livro tornava-se canônico à medida que era selecionado pela igreja primitiva a partir de sua autoria apostólica ou separado pela orientação dos apóstolos.
Hoje aceitamos pela fé a Bíblia como Palavra de Deus, pois confiamos que o próprio Deus esta no controle de toda a história, logo é certo que o Senhor não permitiria que fosse agregada a sua Palavra alguma coisa que o contradissesse e, por outro lado, não nos privaria de alguma revelação necessária para nossa redenção. O que Ele nos revelou é a mensagem plena e suficiente para conhecermos seu caráter santo e as verdades espirituais necessárias para atingirmos a salvação por intermédio exclusivo de seu Filho Unigênito – Jesus Cristo.
[1] O significado da palavra apóstolo apresenta duas idéias importantes: a) um grupo comissionado por uma autoridade e b) para uma missão além-mar. Embaixadores de Cristo, os apóstolos, foram feitos grandes autoridades espirituais no NT devido: a) terem sido comissionados pelo próprio Senhor, b) estabeleceram um relacionamento intimo no ministério terreno de Jesus, c) receberam instruções de Jesus ressurreto e d) ao serem comissionados para ir por todo o mundo pregando o evangelho receberam a promessa de que seriam os portadores do Espírito Santo para continuar o ministério de Cristo na Terra.

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